✎ Por Mayara Gonçalves
No meu primeiro artigo aqui no Fala, Prô!, conversamos sobre a importância da curiosidade, e lá eu introduzi um conceito que ainda é desconhecido por muita gente: o capacitismo. Chegou o momento de falar mais sobre ele, e aproveitar para refletir acerca do papel da escola em sua desconstrução.
Imagem meramente ilustrativa. Fonte: Invacare. |
Capacitismo é a discriminação ou violências praticadas contra as pessoas com deficiência. É a atitude preconceituosa que hierarquiza as pessoas em função da adequação de seus corpos a um ideal de beleza e capacidade funcional. Com base no capacitismo, discriminam-se pessoas com deficiência. Trata-se de uma categoria que define a forma como pessoas com deficiência são tratadas como incapazes (incapazes de trabalhar, de frequentar uma escola de ensino regular, de cursar uma universidade, de amar, de sentir desejo, de ter relações sexuais etc.), aproximando as demandas dos movimentos de pessoas com deficiência a outras discriminações sociais como o sexismo, o racismo e a homofobia. (Inclusive: Inclusão e Cidadania)
Segundo essa definição, o capacitismo é basicamente qualquer tipo de "pré-conceito" (no sentido mais profundo da palavra) estabelecido pela sociedade em relação à pessoa com deficiência. Este é um termo tão novo que muita gente reproduz o discurso capacitista sem nem se dar conta. E engana-se quem pensa que apenas as falas que inferiorizam o PCD são capacitistas. O capacitismo também perpassa qualquer discurso de supervalorização da pessoa com deficiência.
O capacitismo na prática
Você deve estar se perguntando: “será que eu já fui capacitista algum dia?”. E a resposta é: provavelmente sim (até pessoas com deficiência podem interiorizar ou reproduzir o discurso capacitista sem perceber!). Afinal, rotular o diferente é uma prática enraizada na sociedade, porque “facilita a compreensão” da pluralidade humana. Mas é aí que mora o perigo! Toda vez que esquecemos de respeitar a individualidade e valorizar a pessoa que há por trás da deficiência, corremos o risco de ser capacitistas. Prova disso é que, em 2016, a comunidade PCD decidiu expor situações capacitistas e para isso criou a #ÉCapacitismoQuando. Através dela, vimos cenas corriqueiras nas quais infelizmente o capacitismo está presente.
A seguir, alguns exemplos do discurso capacitista e expressões que devem ser abolidas do nosso vocabulário:
O capacitismo no ambiente escolar
Certamente, quando voltamos os olhos para as crianças em idade escolar e analisamos a influência do capacitismo em suas formações, é preciso entender que os pequenos têm uma forte tendência à repetição de comportamento dos adultos. Assim, quando pais, avós, tios ou educadores reproduzem o capacitismo, ela passa a entendê-lo como algo normal.
Um experimento realizado pela Naked Heart Fondation provou que, enquanto crianças mais velhas (portanto mais influenciadas pelos adultos) tendem a optar pela interação com crianças sem deficiência, as mais novas se mostram abertas à interagir com PCDs, independente de suas características físicas. Por isso, se eu pudesse dar um conselhos às educadoras, seria: se policiem para não reproduzir o discurso capacitista. Enquanto disseminadoras e facilitadoras da construção do conhecimento, devemos revisitar nossos comportamentos e estar dispostas a transformá-los em prol de uma educação mais inclusiva.
É possível promover o debate e oferecer vivências reflexivas a partir da apresentação do Estatuto da Criança e Adolescente em versão ilustrada (baixe aqui), aproveitando para reforçar que os direitos pertencem a todos, e não há uma diferenciação entre pessoas com e sem deficiência. Além disso, lembrem-se que a criança com deficiência é um indivíduo como qualquer outro e, antes de presumir como deve tratá-lo, leve em conta o que ele diz e saiba que, apesar de suas peculiaridades e das adaptações que se fazem necessárias no dia a dia, muitas regras escolares que valem para crianças sem deficiência, valem para PCDs também!
O “tratamento diferenciado” deve existir até certo ponto (no que diz respeito principalmente ao conforto físico e condições de aprendizagem adequadas à deficiência), mas tome cuidado para não infantilizar um indivíduo que não precisa disso. A verdade é que odiamos ser tratados como “especiais”. Quando era criança eu não tinha consciência disso e aproveitava os mimos. Porém, uma vez que esse tratamento anda de mãos dadas com a superproteção e a inferiorização, isso impactou bastante na construção da minha autoconfiança e autoestima (haja terapia para nos libertar dos males da sociedade capacitista!).
Quase sempre somos os responsáveis por surpreender os educadores capacitistas com nossas habilidades, que acabam não sendo esperadas e nem incentivadas pela sociedade. Às vezes em que ouvi “Nossa, você é inteligente, hein?”, com claro espanto por tais qualidades estarem atreladas a uma cadeirante, nem estão no mapa!
Quando o assunto são os pais, uma boa alternativa para promover o diálogo é convocar uma reunião e falar um pouco sobre o capacitismo e seus malefícios, aplicando à realidade da sala de referência. Em suma, para uma escola anticapacitista é preciso: dar espaço e apoio (estrutural, emocional e intelectual) para que as crianças com deficiência se desenvolvam, confiando no processo delas. Sei que toda desconstrução leva tempo mas, como em muitos casos, o “trabalho de formiguinha” e autoavaliação ajudam bastante na jornada
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