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06 dezembro 2020

Retorno às atividades presenciais: um assunto urgente

✎ Por Ekatherina Ugnivenko

Após aproximadamente oito meses de pandemia no Brasil, o fim do ano se aproxima, assim como o encerramento de um ano letivo desafiador para alunos, famílias e professores. A pandemia ao redor do mundo já matou mais 1,5 milhão de pessoas, fazendo mais de 170 mil vítimas no Brasil. A educação, que é campo de luta e disputa, tornou-se terreno fértil para especulações sobre formatos e medidas necessárias para um retorno seguro às escolas. Contudo, as áreas que realmente deveriam dar suporte para a educação durante os tempos de pandemia estão há muito enfraquecidas, tomadas por discursos pouco propositivos, ou que sugerem soluções rudimentares ou reducionistas.

Crianças em sala de aula - imagem de FreePik

Enquanto exemplos de relativo sucesso para a manutenção do ano letivo de 2020 em outros países poderiam auxiliar a elaboração de modelos adequados para a pluralidade da educação brasileira em 2021, o último mês do ano se iniciou sem que qualquer plano tenha sido divulgado para o ano seguinte. Dentro deste cenário, a disputa se acirra, e um jogo de interesses incita a desunião entre as pessoas envolvidas no processo educativo, afastando a responsabilidade dos órgãos que obrigatoriamente deveriam orquestrar um retorno seguro, e que se eximem de sua obrigação primordial – colocar a educação como prioridade para o ano de 2021 em escala nacional. No caminho oposto, o Ministério da Educação anunciou um corte bilionário para orçamento de 2021.

O assunto é urgente e precisa mobilizar a sociedade como um todo, principalmente os profissionais da educação. Para a elaboração de planos de retorno, além de investimentos massivos na educação pública, é necessário que haja discussão extensiva e contínua sobre o tema, antes que um retorno obrigatório surpreenda professores e alunos. Até o momento, o Ministério da Educação está resistindo em homologar a permissão das aulas remotas em 2021, o que evidencia intenções pouco democráticas acerca de flexibilizações do modelo escolar para que sejam condizentes à evolução da pandemia nas diferentes regiões. 

Destacamos que o Fala, Prô! é contra a volta às aulas enquanto o Brasil for o epicentro da atual pandemia de COVID-19 e não houver um plano bem elaborado para o retorno seguro. Nossas publicações têm como propósito trazer reflexões e sugestões de vivências que contribuam para a realidade de professoras, professores e demais atores do contexto escolar.

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS DA ÁREA DA SAÚDE?

É necessária muita cautela ao analisar e utilizar dados sobre a transmissão de Covid-19 em crianças. Na semana passada, um grupo de pediatras brasileiros sugeriu por meio de uma mobilização digital que a atenção pública se voltasse para a reabertura das escolas. A campanha aponta que as crianças se contaminam menos, transmitem menos e manifestam a doença de maneira menos grave. Contudo, é preciso muito cuidado ao concordar com estas afirmações. Os estudos neste sentido ainda são especulativos, pois a experiência em relação ao retorno às aulas ainda está sendo vivida e analisada ao redor do mundo. Além disso, há diferenças socioeconômicas e culturais que impactam na forma como as crianças se relacionam dentro e fora dos muros da escola. Sabemos que quanto menores as crianças, mais próximas são as trocas sociais e menor é o autocontrole sobre suas ações e sobre sua higiene.

Assim como os números de casos graves de Covid-19 são baixos entre as crianças, também diminuíram as internações por outras doenças comumente transmitidas no ambiente escolar. Na França, durante o período de lockdown as visitas e internações em emergências infantis caíram drasticamente, como publicado no periódico Clinical Infectious Diseases. Recentemente, a notícia foi divulgada pela BBC News Brasil, demonstrando que a mesma situação se replicou em outros países. É possível então verificar que o impacto ocorrido no contexto da saúde infantil, também é relacionado às práticas de isolamento social ao considerarmos os números relacionados à Covid-19 em crianças.

O QUE SABEMOS SOBRE O CONTEXTO ATUAL

A educação se alinha aos saberes científicos, e não pode deixar de se apoiar em evidências reais e estudos contínuos. Protocolos de segurança internos nas escolas não bastam para manter as crianças e suas famílias em segurança. Mesmo com a aferição de temperatura na entrada e o afastamento de crianças sintomáticas, já sabemos que além das crianças serem normalmente assintomáticas, aproximadamente metade das transmissões acontecem antes de aparecerem os sintomas

Incentivar uma reabertura irresponsável sem diminuir a taxa de contágio culminaria no agravamento da pandemia, especialmente em regiões com menos recursos. No Brasil, a taxa de contágio em novembro atingiu números semelhantes aos de maio, como divulgado pelo centro de pesquisa Imperial College. Na capital paulistana, a taxa de contágio é ainda maior. Nas duas últimas semanas, a média móvel de novas infecções subiu 59%.

Nesta semana, foi noticiado que 58% dos testes RT-PCR colhidos em outubro na cidade de São Paulo pelo sistema municipal de saúde não foram analisados ou não tiveram seus resultados divulgados até hoje. São mais de 80 mil testes. Ainda na maior metrópole do país, houve em outubro uma iniciativa para testagem de alunos e profissionais da educação da rede municipal, em que cerca de 3,5 mil pessoas foram testadas. A rede municipal atende cerca de 740 mil alunos. Dentro deste contexto, é impossível ignorar que quase sete milhões de testes RT-PCR estão parados no aeroporto de Guarulhos, e em breve irão estragar. Cada um destes testes poderia ser utilizado para a testagem em massa em prol da reabertura das escolas, compondo os inquéritos sorológicos necessários para uma reabertura segura. Há descrença no governo, que demonstra falta de critérios em decisões e deliberações acerca da saúde e da educação. No início desta semana o MEC instituiu que as universidades federais deveriam reabrir ainda na 1ª semana de janeiro. Horas depois, a medida foi revogada com a mesma rapidez e arbitrariedade que foi sugerida.

Estes apontamentos não significam que o retorno é inviável. Na realidade, o retorno seria possível mesmo antes da liberação de uma opção de vacina que imunize, mesmo que por tempo limitado, os grupos de risco. Seria necessário um extremo controle sobre as taxas de transmissão em cada região. Uma vez conhecendo as reais taxas de contágio em cada região – considerando até mesmo divisões internas dentro dos municípios – as autoridades poderiam personalizar planos de retorno regionais. Para tanto, é necessário que a educação seja vista como prioridade. Reduzir drasticamente a taxa de contágio e promover um rastreamento cuidadoso dos casos na comunidade escolar e em seus arredores é atualmente a forma mais segura de garantir um controle sobre a pandemia.

O ingrediente essencial para um retorno seguro para as atividades presenciais em 2021 é o empenho entre as autoridades em orquestrar uma força-tarefa para a testagem em massa, para conhecermos a real dimensão da pandemia no país. A testagem e o rastreamento cuidadoso de casos são as melhores ferramentas para uma reabertura segura para a sociedade como um todo. A partir de um diagnóstico cuidadoso, será possível estabelecer medidas rígidas para a contenção da taxa de contágio, e para isso toda a sociedade precisará se mobilizar. Escolhas precisarão ser feitas. Uma sociedade que escolhe a educação, principalmente ao considerar todo o impacto negativo que o fechamento das escolas tem causado, terá que aceitar abrir mão temporariamente de acesso à serviços não essenciais e outras práticas que ampliam a disseminação do vírus, ainda que consequências econômicas resultem destas medidas. Sem dúvida, a consequência econômica e social de mais um ano de escolas fechadas – ou abertas sem maiores critérios e cuidados – será muito mais desastrosa.

Fala, Prô! tem compromisso em comunicar conteúdo condizente com os fatos, organizando informações amparadas cientificamente. Sendo assim, alertamos que as informações neste post podem sofrer alterações. Além de contarmos com os comentários de profissionais da educação, convidamos todos os interessados neste tema para compartilhar e agregar informações nos comentários! 

Fala, Prô! indica: alguns livros para complementar os estudos


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