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25 fevereiro 2023

Vivências para facilitar a adaptação das crianças na Educação Infantil

✎ Por Fernanda Fusco
O primeiro bimestre do ano letivo é tradicionalmente conhecido nas escolas de educação infantil como o período de adaptação dos pequenos e pequenas, sendo planejado na semana de organização pelas/os educadoras/es e destacado na primeira reunião com as famílias. Embora seja um processo individual, em que cada criança leva um tempo diferente para se sentir acolhida, confiante e parte daquele novo grupo e ambiente, algumas vivências podem ser pensadas e oferecidas para facilitá-lo e fazer com que esse momento fora do seio familiar seja mais prazeroso e significativo!

Imagem meramente ilustrativa gerada pela inteligência artificial MidJourney para o Fala, Prô!
No post de hoje, vamos compartilhar algumas reflexões e possibilidades de vivências para realizar no período de adaptação considerando o início do ano letivo, mas que podem ser pensadas também para quando recebermos novas crianças na instituição! Ao longo da publicação, disponibilizamos também algumas dicas de vídeos e de leituras para ampliarmos os nossos olhares! Vem com a gente!

Você não precisa inventar a roda!

Não precisa planejar nada de mirabolante:
Faça com leveza o que já é habitual na escola!
É necessário termos em mente que, para facilitar o processo de adaptação das crianças, não precisamos fazer nada de inovador ou mirabolante. Na minha experiência enquanto educadora da infância, por exemplo, já participei de planejamentos onde cada dia da semana era pensado para oferecer uma experiência diferente (e a nível de escola!), como preparo de massinha caseira, receitas, confecção de brinquedos, gincanas, entre outras que beiravam atividades de recreação... No entanto, percebia que essas vivências acabavam ficando centradas na pessoa adulta (que era quem as direcionava) e em seu próprio tempo, sendo muito difícil acolher aquelas crianças que choravam ou que buscavam o aconchego de um colo.

Já que a nossa intencionalidade aqui é possibilitar que a garotada se sinta à vontade com o novo ambiente, com a rotina, com seus novos contatos, não seria mais adequado fazermos o que já realizamos com primor no dia a dia da escola? Procure garantir também momentos em que os pequenos e as pequenas tenham liberdade para escolher o que desejam fazer, como nos contextos investigativos ou cantos de vivências diversificadas, explorar os parques e espaços externos, entre outros. Enquanto respeitamos o tempo e espaço de cada uma delas (umas vão preferir explorar ou brincar sozinhas, outras procurarão seus/as companheiros/as), podemos acolher aquelas crianças que precisam de um pouco mais de atenção e até fazer nossos registros para futuras intervenções!

Permitir a presença de pessoas adultas de confiança

Geralmente neste período de adaptação, em algumas escolas, existe a possibilidade da redução do horário de permanência das crianças. No entanto, mesmo que haja essa flexibilidade de tempo para a transição dos pequenos e das pequenas entre suas casas e o mundo novo da educação infantil, algumas crianças ainda sofrem bastante ao se distanciarem de suas famílias. E por que não permitir que essas pessoas adultas de confiança participem também dos momentos de adaptação?

Não há uma receita pronta e depende muito de como cada criança construirá conosco esse percurso, mas uma sugestão é a de que os familiares acompanhem aquelas que mais necessitam (que ainda sofrem ao estar no novo ambiente) por algumas horas ao longo de nossa rotina para que ganhem confiança, se sintam seguras e assim não necessitem mais desse acompanhamento. No ano passado, por exemplo, recebi M., uma criança de 4 anos e 6 meses que fez parte de um de meus agrupamentos e que não frequentou o ambiente escolar anteriormente por conta do período de isolamento social. Segue abaixo um trecho de um dos relatórios de acompanhamento de aprendizagem que escrevi ao final do primeiro semestre de 2022 com minha companheira e amiga professora Suzana Soares para ilustrar as intervenções realizadas e como a parceria com as famílias contribui (e muito!) para o processo de ambientação:

Como M. não havia frequentado o CEI (Centro de Educação Infantil), inicialmente apresentou certa resistência para entrar em nossa unidade: por isso a parceria com sua mãe e pai no período de adaptação foi fundamental! No começo, pedíamos para que ficassem certo tempo próximos de M. e se afastassem aos poucos, deixando-a livre para interagir com as professoras e colegas: achamos interessante o fato de a garota se aproximar e desenvolver um carinho especial por G., outra criança que passava pela mesma situação que ela! Assim que a garota se apropriou dos nossos espaços e fortaleceu seus vínculos conosco e com a turma, a presença de seus responsáveis não era mais necessária: embora M. chore algumas vezes ao entrar, ao passar pouco tempo se apropria das vivências e interage bem com todas e todos com muita alegria!

Mais acima compartilhamos também um vídeo publicado pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME-SP) sobre o trabalho realizado pela EMEI Monteiro Lobato para acolher as famílias e crianças logo na primeira semana!

A importância dos objetos de apego

Paninho, fralda, cobertor, chupeta, bichinho de pelúcia, boneca, naninha... Esses são alguns exemplos do que podem ser os objetos de apego, também chamados de objetos de transição ou objetos transicionais por Donald Winnicott. De acordo com o pediatra e psicanalista inglês, esses objetos são muito importantes para o desenvolvimento emocional dos bebês e crianças, já que podem auxiliá-los a lidar com a ansiedade, frustrações e angústias.

Imagem meramente ilustrativa gerada pela inteligência artificial MidJourney para o Fala, Prô!
Não podemos nos esquecer que cada criança tem uma necessidade emocional diferente: mesmo que a maioria da nossa turma (de 4~5 anos) não necessite desses objetos para se sentir melhor no ambiente escolar, algumas precisarão deles para suportar a ausência de seus familiares. Caso perceba que o período de adaptação esteja causando muito sofrimento e a criança faça questão, não há nada de errado em permitir que tragam por alguns dias para que sejam suas fontes de segurança.

Escuta sensível não é só na roda de conversa!

É bem comum ouvirmos que para o/a educador/a escutar as crianças maiores basta realizar as clássicas rodas da conversa; mas a escuta sensível vai muito além disso! É claro que esses momentos de comunicação oral mais "dirigidos" contribuem bastante no início do ano letivo - enquanto estamos conhecendo o agrupamento, nos apresentando, levantando de ideias de vivências, descobrindo as brincadeiras favoritas da turma, os espaços e materiais favoritos da escola -, mas e aquelas crianças que não se sentem à vontade ainda para falar com o grupo todo ou que não se comunicam verbalmente? Será que não serão ouvidas e consideradas em suas particularidades e permanecerão invisibilizadas?

Vídeo Escutemos as crianças, com Ana Cláudia Arruda Leite, para o canal Café Filosófico

Reconhecer o brincar, as expressões plásticas, os gestos e sobretudo o pensamento simbólico e sincrético precisa ser, portanto, a base da escuta. E isso perpassa por desconstruir um modelo vigente de produção de conhecimento e práticas sociais, que parte de uma visão racionalista e pragmática, centrada na lógica, na razão, no pensamento linear e apenas no discurso oral das crianças, desconsiderando o corpo e suas linguagens, bem como o mundo simbólico e afetivo. (Por um método de escuta sensível das crianças, p. 11)

Para conhecer meu agrupamento, costumo enviar para as famílias (geralmente em nossa primeira reunião) uma "lição de casa" que chamo de Minha primeira entrevista: a minha intenção é que (se possível) direcionem as perguntas para as crianças (Com quem eu moro? O que mais gosto de fazer? Qual é meu brinquedo favorito?) e redijam exatamente o que elas responderem. Procuro também observar os pequenos e as pequenas nos diferentes momentos de nossa rotina e fazer meus registros (em texto, áudio, vídeo): Como parece se sentir no ambiente escolar? Como prefere se expressar? Com quem se aproximou? Quais as narrativas de suas brincadeiras? Quais os temas de suas conversas? Quais as materialidades que procurou? O que costuma desenhar? Como lida com as microtransições de espaço e tempo? Esses questionários, observações, produções das crianças e conversas diárias com as famílias (pessoalmente ou via agenda) me darão pistas de como planejar o primeiro mês de adaptação e acolhê-las de acordo com suas especificidades.

Fazendo um tour pela unidade e as/os nossas/os profissionais

Uma vivência que gosto muito de realizar logo no primeiro dia com as crianças é uma tour pela unidade para explorarem os novos espaços. Você ou as crianças mais velhas podem ser os guias, deixar que a molecada encontre seu próprio caminho, oferecer um mapa ou até fazer uma caça ao tesouro ("A missão de vocês é encontrar a sala do/a diretor/a!"), quem sabe? Conforme conhecem os diferentes ambientes e vão fazendo suas inferências sobre o que podem realizar ali, aproveite para apresentá-las às/aos profissionais da unidade: convide os pequenos e as pequenas a realizarem perguntas para descobrir o que essas pessoas fazem em nossa escola e assim já apresentá-los aos diferentes papéis sociais. E para que as/os profissionais consigam conhecê-las melhor e identificar as crianças pelos seus nomes/agrupamento, é importante que elas (as crianças) usem crachás nas primeiras semanas.

Screnshot do filme Ponyo, uma amizade que veio do mar, do Studio Ghibli, 2008.
Na volta para a sala referência (ou para qualquer outro ambiente), reúnam-se para conversar sobre o que viram, o que sentiram e o que descobriram. Outra possibilidade é propor para que façam registros através de desenhos, construções com pecinhas, massinha, etc., e exibir as produções para a turma.

Quem são minhas/meus novas/os companheiras/os?

É no dia a dia da escola que as crianças fortalecerão os vínculos com seus pares, mas as intervenções de um/a educador/a atento/a podem facilitar esse processo! Seguem abaixo algumas ideias que podem ajudar a construir e estreitar esses elos de confiança e empatia - mas não se esqueça de sempre respeitar o tempo, interesses e necessidades das crianças (especialmente nesta etapa)!

  • Realizem rodas da conversa para apresentações, estabelecimento das regras de convivência do grupo, resoluções de conflito, levantamentos de ideias;
  • Pratiquem yoga e relaxamentos em duplas com pincéis, massagens e sons da natureza;
  • Escolha ajudantes do dia para organizarem os espaços, pegarem materialidades, chamarem colegas na saída quando os familiares vierem buscá-los, ajudarem a resolver conflitos, etc.;
  • Apresente cantigas que remetem aos nomes das crianças como Roubou pão, A canoa virou e  Se eu fosse um peixinho;
  • Participem de jogos e brincadeiras em grupos ou duplas como telefone sem fio, corre cotia, pega-pega, quente ou frio, morto-vivo, estátua, jogo da memória, entre muitas outras;
  • Proponha resoluções de situações-problema a partir de leituras ou exibições de filmes e animações que remetem a temas como amizade e cooperação;
  • Fomente a colaboração e empatia ao formar duplas ou grupos produtivos em que aquela criança que já se apropriou bem do espaço e da rotina auxilie outra que necessite.

Para compreender a nova rotina e suas microtransições

Mesmo que a gente se esforce para considerar as necessidades das crianças, a escola ainda é organizada de acordo com o tempo do relógio: tem hora para comer, hora para ir ao parque, hora para ir para a sala referência, hora para escovar os dentes, hora para sair... E leva tempo para que as crianças compreendam este nosso tempo! Para que os pequenos e pequenas comecem a se apropriar desta nova rotina, sintam-se seguros e lidem melhor com as mudanças de espaços e de práticas institucionais (ou microtransições, de acordo com o educador Paulo Fochi), podemos lançar mão de algumas estratégias como a utilização do calendário para marcação de datas importantes para as crianças (como o Dia do Brinquedo, por exemplo), relembrar o que foi realizado no dia anterior para darmos continuidade (através de fotos, vídeos ou outros registros), escrever a rotina com o propósito de marcar as práticas que serão realizadas ao longo do dia (inclusive as próprias crianças podem escolher algumas delas!), enfim...


Na publicação do Instagram de Paulo Fochi (logo acima), o educador sugere também que tomemos nota de como algumas microtransições se dão no contexto escolar e o que podemos fazer para garantir o bem estar da garotada. Será possível respeitar e acolher as diferentes temporalidades das crianças nesses e em outros momentos? O que fazer quando uma criança come mais lentamente que outra, por exemplo? E quando outra termina rapidamente de escovar seus dentes e quer brincar? Os registros reflexivos podem ser grandes aliados e nos ajudam a crescer enquanto educadoras/es, especialmente quando compartilhamos nossas angústias com outras pessoas e pensamos juntas em outras estratégias!

Como está sendo o processo de adaptação das crianças em sua unidade? Quais outras dicas você também compartilharia conosco? Não se esqueça de deixar o seu comentário logo abaixo e nos seguir no Facebook e Instagram para mais novidades! 😀

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