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19 março 2023

Entrevista: Luciana Conceição, as Mini Histórias e reflexões sobre olhares e encantamentos

✎ Por Fernanda Fusco
Fala, professoras e professores! É com muita alegria que anunciamos o lançamento do primeiro episódio de nosso podcast no Spotify, que tem como intencionalidade estabelecer  diálogos com pessoas potentes de nossa área (ou até mesmo de fora dela!), conhecendo suas histórias e aprendendo com suas partilhas, estudos, reflexões e formas de enxergar o mundo!

Foto de entrevistada Luciana Conceição. Arquivo pessoal da educadora.
Hoje recebemos a coordenadora pedagógica e mestranda em educação Luciana Conceição, que tivemos o privilégio de encontrar em sua formação Mini Histórias: O ordinário da vida é o extraordinário. Conheceremos um pouquinho a respeito de sua trajetória na área, de suas concepções de infância e de ensino-aprendizagem, conversaremos sobre o valor do encantamento tanto para as/os educadoras/es como para incentivar nas próprias crianças e, é claro, saberemos mais sobre o que é essa forma de observar/registrar as descobertas das infâncias, as produções de culturas infantis e o desenvolvimento das crianças. Você pode acompanhar a entrevista tanto através de áudio como através deste texto, e trazemos também algumas dicas e imagens ao longo da publicação! 😉

Para ouvir o podcast completo, acesse o Spotify!

Seja muito bem-vinda ao nosso espaço, Luciana! Gostaríamos de conhecer um pouco sobre você: sua trajetória, de onde veio, sua formação e como chegou à área da educação.


Oi! Meu nome é Luciana Conceição, eu tenho 33 anos e resido na cidade de São Paulo. Minha primeira graduação foi em turismo e logo depois eu me especializei em gestão cultural. Em uma viagem - que eu chamo de uma "viagem de transformação de vida" - que eu realizei em 2014 pra Índia, eu migrei definitivamente para a área da educação (sempre com um foco na educação infantil). Me formei em pedagogia pela Faculdade de Educação da USP - logo após a viagem eu prestei o vestibular e ingressei na universidade - e atualmente eu faço mestrado em Educação, Linguagem e Psicologia também pela FEUSP. Lá eu tenho investigado as relações que se estabelecem entre as infâncias, o teatro, a cidade, a partir do processo criativo de um grupo de teatro pra crianças e como que essas relações ensejam novas formas de se pensar, de construir e de ver o mundo. E atualmente eu trabalho como coordenadora pedagógica.

Fotos de Luciana em sua viagem de 2014 para a Índia. Arquivo pessoal da educadora.

De onde surgiu a iniciativa de pesquisar a respeito das mini histórias e o que seriam elas?


Eu conheci as mini histórias na última escola em que trabalhei e, como eu me identifiquei bastante com essa forma de documentar, observar, escutar e registrar o cotidiano e as aprendizagens das crianças, eu comecei a estudar mais sobre esse conceito, sobre essa forma de comunicação e foi quando eu me deparei com o universo que se abria a partir desta forma de documentar. Eu acredito muito no percurso autoformativo do educador, onde ele também é protagonista das suas próprias aprendizagens, então na ocasião foi muito interessante aquilo que eu tive acesso, mas o meu desejo de saber mais sobre aquilo me permitiu um desenvolvimento refinado com as mini histórias e eu acredito até que seja isso que tenha me levado ao convite da instituição de fazer uma formação para as professoras daquela escola, o que foi muito gratificante - poder trazer e compartilhar essas reflexões, esse meu percurso de aprendizagem com outras pessoas...

Mini história produzida por Luciana. De acordo com a educadora, é significativa pois foi a primeira que fez!

Trazendo um conceito a partir daquilo que eu pesquisei, eu diria que as mini histórias são uma forma de narrativa sobre o cotidiano e as aprendizagens das crianças; também a interpretação do educador sobre os observáveis que ele cria a partir da escuta e observação atentas e sensíveis das crianças; e é também uma forma de tornar visível as culturas infantis, suas descobertas, poéticas, encantamentos, reconhecendo e valorizando as vozes e as potências das crianças.

O que diferencia as mini histórias de outros tipos de registro (como portfólio, diário de bordo, etc.)?


Eu diria que para além das mini histórias, o que diferencia qualquer tipo de registro é a maneira como você escolhe realizá-lo e se aprofundar nele. Então pra mim as mini histórias têm muita forma porque elas atravessam diversas singularizações minhas - que tem a ver com o atravessamento da minha própria história de vida. Elas me permitem refletir sobre o cotidiano e as aprendizagens das crianças, mas também me permitem revisitar o meu próprio cotidiano e as minhas próprias aprendizagens. Fazer mini histórias pra mim tem a ver com o meu próprio processo de desenvolvimento como educadora e como pessoa, como ser humano. É um conceito que transformou a mim mesma e a minha prática cotidiana!

Pra mim, a diferença entre as mini histórias e outros tipos de registro vem disso: para além de uma forma ou de uma estrutura técnica de como a gente visualiza esses registros - o estilo de escrita, a composição de imagens, a produção de observáveis, a autorreflexão, enfim, os percursos que se mobilizam para realizar esses registros... Acho que esse seria um bom caminho para pensar essa diferenciação: a partir daquilo que a gente se identifica, que a gente se apropria e a gente se aprofunda. Então aquela forma de fazer registro deixa de só ser uma tarefa pra começar a permear o meu fazer; eu começo a olhar pro mundo a partir do atravessamento que aquele registro me trouxe.

Quando começou a escrever/registrar as mini histórias, qual era o seu maior desafio? Quais desafios observou para com seus pares?


O maior desafio que eu observei entre mim e meus pares foi o "como fazer". Por onde a gente começa? É só tirar uma sequência de fotos bonitas, escrever um texto poético (uma crônica), acompanhada pelos registros? Pode ser filme? Pode ser áudio? Enfim, uma série de questionamentos que me faziam olhar somente para a "forma mini histórias", e não para a "força mini histórias". Recentemente, conversando com uma educadora queridíssima, a Carolina Lenza, me trouxe bastante clareza sobre esse conceito de forma e de força que ela aprendeu com o professor dela (se não me engano José Cavalheiro!). Tá vendo como a educação se constrói junto? Eu acho isso lindo e potente demais! Eu tive essa conversa com a Carol, a Carol teve essa aprendizagem com o professor dela e aí nesse encontro eu tive acesso a esse conceito que esse professor provavelmente formulou a partir de pesquisas e investigações com outro autor e de outras conversas que ele teve... Mas retomando: eu percebo que esse é o maior erro das pessoas: copiar, importar, se inspirar na forma das coisas e não nas potências, nas forças das coisas. Por isso também eu me senti compelida a buscar mais informações sobre as mini histórias: não podia ser só uma sequência de imagens, acompanhada de um texto... E realmente não era - não era mesmo!


Hoje eu penso que as mini histórias têm a ver com uma concepção inclusive política, porque elas vão revelar a concepção de criança que se tem, elas vão revelar se o educador de fato tem tempo na rotina dele pra criar observáveis e refletir sobre eles, se a escola considera esses tempos... As mini histórias vão revelar se de fato a escola tem esse compromisso ético, político e estético com as infâncias! Na minha percepção, se essas e outras considerações possíveis que a gente poderia fazer não forem levadas em conta, então, sim, o que você vai ter é uma bela sequência de imagens, com lindas histórias, que não transformam nem de fato o educador, nem as crianças e nem o cotidiano daquele espaço!

Em seu curso, você destaca o valor do encantamento tanto para educadoras/es como para incentivar nas próprias crianças (e não "cerceá-las", como menciona). Poderia nos contar um pouco mais sobre isso?


Eu fui a uma peça de teatro a convite da Gabriela Romeu (que inclusive está em cartaz no SESC e se chama Noite de Brinquedo - No Terreiro de Yayá) e a montagem por si só é encantamento puro! Mas em um dado momento a personagem diz assim: "A gente não pode crescer e ficar tão desencantada!". E daí isso me fez pensar: Como é que eu ofereço aquilo que eu não tenho em mim? Ou como é que eu reverbero aquilo que não está impregnado em mim? E por uma série de motivos, acho que inclusive o projeto de sociedade que a gente têm, tudo isso vai corroborando na perda e nesse cerceamento do encantamento. Então o cotidiano vai endurecendo as pessoas, vai afastando elas desses encantamentos, desses detalhes, dessas minucias preciosas da vida... e aquilo que vai sendo tirado da gente, nós tendemos também a ir tirando do outro, num movimento muitas vezes inconsciente.

Para pensar sobre encantamentos, o Fala, Prô! indica o curta Alike, de Daniel Martínez Lara e Rafa Cano Méndez

Portanto é necessário praticar esse exercício de olhar - como eu costumo dizer, "olhar com o corpo todo" - pro mundo e pros seus encantamentos: aquela florzinha lindinha no meio do asfalto ou às vezes aquele cartaz com escrito poético dentro do ônibus, quando você está indo a caminho do trabalho... Eu não digo que isso é um exercício fácil de ser feito; não é! A ludicidade, a diversão, a arte, a cultura, infelizmente não estão na base de formação da nossa sociedade e muitas pessoas acreditam que a gente só precisa sobreviver. Tem uma música do Emicida que fala (...) que a gente tem que comprar arroz e flores: arroz pra viver e flores para ter pelo que viver. Se a gente quer observar a potência das infâncias, acho que a gente precisa estar atenta antes às nossas próprias poéticas enquanto elas estão presentes em nosso cotidiano (ou não).


Você também diz que as nossas concepções de infância e de ensino-aprendizagem são reveladas em nosso fazer pedagógico e até nos próprios registros. O que isso quer dizer?


Foto de Luciana Conceição quando criança.
Arquivo pessoal da educadora.
Certa vez, numa experiência escolar, eu ouvi de uma coordenadora (que inclusive era psicóloga) (...) pra observar a objetividade e não a subjetividade das coisas. Naquela época eu estava iniciando na área da educação, era um dos meus primeiros estágios e ali eu não tinha muitos recursos para lidar com aquela afirmação. Mas se fosse hoje eu diria que é simplesmente impossível! Porque aquilo que eu sou me atravessa e atravessa o outro o tempo todo enquanto nós estamos em relação e interação. Toda a minha história e todas as minhas histórias, tudo aquilo que eu vivenciei, as minhas memórias, os meus prazeres, os meus traumas... tudo isso vai perpassar a minha prática! A questão é que muitas vezes eu não tenho consciência disso: então a minha concepção de infância é permeada por quem eu fui na infância e por tudo que eu vivi na infância pra além de muitas definições e conceituações de autores que eu também acredito.

A forma como eu aprendi, como eu tive acesso à educação, as violências que eu sofri nesta trajetória, meus encantamentos, minhas percepções, minhas experiências culturais, enfim, absolutamente tudo atravessa o meu fazer, o nosso fazer. Se somos sujeitos sociais, históricos e culturais, todo o nosso fazer sempre vai estar impregnado de nós mesmos! A pergunta é: será que eu tenho consciência disso? Será que eu consigo olhar pra todo o meu processo de vida de forma consciente? Então pra mim aí está uma das chaves da transformação do educador: se ver, se reconhecer e se valorizar no seu próprio processo de fazer e criação, sabendo da sua própria história de vida e das suas vivências.

Conte um pouquinho sobre como foi o curso e o que as pessoas interessadas podem fazer para participar do próximo encontro!


Eu gosto de ser bem transparente com o que eu faço: essa formação é bem formatada mesmo, é uma aula expositiva onde eu conto tudo aquilo que eu aprendi nesse percurso de investigação com as mini histórias. Não tem o tempo de interação e diálogo que eu gosto de ter com as pessoas - que eu acredito que seja importante, porque mais uma vez eu repito que educação se constrói junto -, mas eu escolhi essa forma, neste momento, pois a força que eu vejo é difundir as mini histórias, é levar pra mais pessoas o conhecimento sobre essa forma de registro, de documentação, de comunicação, na educação. 

O que eu pretendo fazer e que tem a ver com a maneira que de fato eu acredito no fazer educativo (que é construir junto), é criar uma rede de pessoas que estejam interessadas em dar continuidade a este percurso e perceber como que eu posso ser uma contribuição nesse processo de autoformação onde elas sejam protagonistas e eu colabore como uma parceira experiente e aprendente - porque a gente nunca deixa de aprender mesmo sobre aquilo que a gente pensa que tem muito domínio; sempre o outro tem algo pra me trazer de novo que eu ainda não considerei. Esse ser aprendente é muito importante!

Para participar da próxima aula (que já é na quinta-feira, dia 23/03, das 20h às 21h30), é só entrar no grupo de Whatsapp (clique aqui!), fazer a transferência (escolhendo um valor de acordo com as suas possibilidades financeiras) e aguardar o envio do link (algumas horas antes da aula). Tenho certeza que é um convite pra abrir caminhos e diálogos: se você quiser participar desta trajetória e vir a somar neste percurso, vai ser muito bacana ter a sua presença lá na próxima quinta-feira!

Muito obrigada pela sua participação, por ter aceitado o nosso convite e por ter partilhado tantos conhecimentos com a gente!


Eu queria aproveitar para agradecer o convite do Fala, Prô!: já conhecia a página por meio de uma amiga que me mandou (...)! Bem interessante as partilhas, as reflexões... Muitas me chegaram como forma de provocação e também uma forma de ir além (...) aquilo que eu falei sobre ser aprendente, "não considerei isso e olha que só o que esta pessoa está trazendo, que bacana!" (...) E dizer que eu conheci a Fernanda por meio da aula das mini histórias, então é muito legal como que a gente vai conhecendo, descobrindo um pouquinho sobre as pessoas e seus fazeres, por meio dessas redes de conexão também. Obrigada pelo convite, foi ótimo, as suas perguntas me direcionaram para uma reflexão que também me fez, novamente, pensar sobre o meu próprio fazer. Muito obrigada e agradeço de coração: o convite foi muito especial!


Ficamos por aqui com mais uma entrevista e com nosso primeiro episódio do podcast do Fala, Prô! Se vocês quiserem conhecer um pouco mais sobre a Luciana, basta segui-la em seu perfil do Instagram e fazer parte do grupo de Whatsapp. Não se esqueçam de nos seguir no Instagram, Facebook, YouTube e Spotify para acompanhar as novidades e comente aqui embaixo: Você já conhecia as mini histórias? Com quais formas de registro se identifica? Quais foram as provocações e reflexões que esses diálogos proporcionaram para você?


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