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06 fevereiro 2023

Como construir um espaço acolhedor e esteticamente agradável para as crianças da Educação Infantil

✎ Por Fernanda Fusco
O ano letivo já começou e uma das nossas preocupações enquanto educadoras/es da infância é a de como preparar um espaço acolhedor para receber a garotada. No entanto, ainda é constante cairmos na armadilha de reproduzir estéticas muito presentes no senso comum sobre o que é uma escola da/para infância e com o que as crianças se identificam: tons coloridos e vibrantes, murais decorados em eva, personagens de desenhos infantis, tatames espalhados para evitar o contato com o chão, brinquedos e mais brinquedos feitos de plástico, salas entupidas com mesas e cadeiras... Mas será que essa estética, comumente confundida com um falso conceito de ludicidade, atende às nossas intencionalidades e revela a nossa concepção pedagógica de maneira adequada? 🤔

Imagem meramente ilustrativa gerada pela inteligência artificial MidJourney para o Fala, Prô!

O espaço é entendido sob uma perspectiva definida em diferentes dimensões: a física, a funcional, a temporal e a relacional, legitimando-se como um elemento curricular. A partir desse entendimento, o espaço nunca é neutro. Ele poderá ser estimulante ou limitador de aprendizagens, dependendo das estruturas espaciais dadas e das linguagens que estão sendo representadas. (Sabores, cores, sons, aromas: A organização dos espaços na Educação Infantil, p. 35)

Considerando que o espaço é um elemento fundamental para o desenvolvimento das crianças e que deve ser planejado e preparado de forma a ser estimulante, confortável e seguro, que potencialize aprendizagens e que valorize as diferentes produções das pequenas e pequenos, organizamos este post com algumas possibilidades para refletirmos e nos inspirarmos - e não para servir de modelo ou receita pronta, hein! Ao longo da publicação, compartilhamos também outras referências para nos aprofundarmos um pouquinho mais na temática. Confira!

(Re)construir um espaço exige estudo, planejamento e diálogo

Os espaços transmitem mensagens e, quando as crianças pisam no chão da escola, o ideal é que a sintam como um ambiente convidativo e inteiramente planejado para que construam suas interações, brincadeiras, vivências... Ou seja, não deve se restringir apenas à sala referência do grupo e essa não deve ser privilegiada como "a mais importante": o espaço educador se estende às áreas externas, aos banheiros, ao refeitório e até à secretaria e sala das/os gestoras/es!

Porém sabemos que é necessário muito estudo, planejamento e diálogo com nossas/os colegas para que possamos alinhar nossas concepções de infância e de ensino-aprendizagem, além de contar com a disponibilidade de verbas e materialidades. Então não espere qualquer mudança a nível de unidade do dia para a noite, mas também não deixe que isso te limite! É possível começar com muita paciência e fazer um trabalho de formiguinha a partir do que temos em mãos, contando com parceiras/os que já estejam alinhadas/os conosco - e traremos algumas sugestões nos próximos itens!

Mas, antes de colocar a "mão na massa", que tal aprofundar seus estudos com algumas leituras? Segue abaixo dicas de alguns livros bacanas para formação - e para indicar prazamigas! Anote o que considerar importante e comece a rascunhar o que deseja modificar em sua unidade!

    

Adaptação, flexibilidade e muita criatividade!

Como comentado no item anterior, é preciso muito diálogo e parceria para que as necessidades das/dos profissionais envolvidas/dos e suas concepções de infância e ensino-aprendizagem estejam alinhadas, mas nem sempre isso acontece. Por isso é preciso certa flexibilidade para que possamos nos adaptar e respeitar o espaço que também pertence a outras pessoas, mas criatividade para modificá-lo conforme as nossas próprias necessidades!

Um dos meus maiores desejos, por exemplo, era reduzir a quantidade de mesas e cadeiras da sala referência de minha turma, mas não tínhamos onde guardá-las e outras professoras preferiam utilizá-las: então, no meu horário, eu procurava afastá-las, rearranjá-las, cobrir com tecidos para virarem cabanas ou até mesmo colocá-las de cabeça para baixo (certa vez transformaram-se em suportes para pinturas!). Quando minha parceira estava para chegar, eu organizava as mesas e cadeiras novamente, se houvesse necessidade. Queria também montar determinados ambientes fixos que fizessem sentido para a turma, como cantos temáticos ou projetos para continuarem de um dia para o outro, porém nem sempre era a necessidade do agrupamento que estava matriculado no outro período: então esses cantos acabavam sendo móveis, guardados em caixas e registrados em fotografias para que se lembrassem em datas seguintes. Não era o ideal, obviamente, mas era o que estava ao meu alcance!


Também não precisamos esperar até a compra de novos móveis para começar a mudar: uma base de bambolê e um pedaço de tecido podem formar uma cabana de teto, caixotes de feira podem servir de prateleiras ou armazenamento de livros/revistas, carreteis grandes em madeira podem virar mesinhas, armários podem ser arrastados para servir como divisórias de ambientes, colchonetes, almofadas e um belo tapete em fio de malha podem se transformar em um cantinho de relaxamento, plantas e flores podem compor a decoração... As próprias crianças e famílias podem se envolver com o levantamento de ideias e a construção do novo espaço!

Que tal começar a modificar um cantinho no parque que não é muito procurado pelos pequenos e pequenas e construir um ambiente sonoro? Transformar os corredores com murais cheios de fotos e outras produções, na altura das crianças? Separar brinquedos e outros materiais em caixas temáticas, junto com a molecada, para transportarem pela escola? Ou mesmo começar a modificar a disposição do mobiliário da sala referência?

Pensando sobre a harmonia e estética do espaço

A escola não é uma loja de brinquedos, um buffet infantil ou um playground de shopping para alucinar as crianças com uma reunião de cores vibrantes e referências a personagens infantis que beira a poluição visual. Pelo contrário: um ambiente educador precisa transmitir a calma e o conforto, com uma quantidade de estímulos ideal e harmônica, que permita manter o foco para que as interações e aprendizagens aconteçam. 

A harmonia das cores, as luzes, o equilíbrio entre móveis e objetos, a própria decoração da sala de aula, tudo isso influenciará na sensibilidade estética das crianças, ao mesmo tempo em que permitirá que elas se apropriem dos objetos da cultura na qual estão inseridas. (Sabores, cores, sons, aromas: A organização dos espaços na Educação Infantil, p. 18)

Determinados brinquedos, livros e produções das crianças já são bastante ricos em cores: por isso, é preferível escolher móveis, tintas de parede e decorações em cores claras e neutras, para valorizar as materialidades e não desviar tanto a atenção. Caso tenha dúvidas em como combinar certos tons, é possível pesquisar por paletas de cores na internet ou até certas referências do Pinterest (confira logo abaixo!).


Um espaço interno ideal seria aquele com janelas amplas, onde a luz natural possa entrar, mas essa não é a realidade de muitas de nossas escolas. Tenha sempre preferência por explorar a iluminação nos espaços externos, mas caso não seja possível opte por lâmpadas claras para iluminar as salas e até compor ambientes de acordo com seus contextos: luminárias para um canto de artes visuais, lanternas para utilizar com os brinquedos, luz suave para um ambiente de relaxamento, mesa de luz para observar a sombra de objetos, um prisma d'água pendurado na janela para efeitos de arco-íris...

Já superamos os murais inspirados em datas comemorativas, assim como decorações de personagens, não é mesmo? Mas com o que vamos "preencher" as paredes, afinal? As paredes podem ser utilizadas para exibir as produções das próprias crianças, com fotografias de suas interações, materiais de estudo, espelhos, obras de arte para enriquecimento estético, azulejos para pintura e até painéis interativos (como os sonoros, por exemplo). Não há a necessidade de pendurar letras, números e nomes, afinal não são utilizadas recorrentemente pelas crianças de educação infantil e estes podem ser armazenados em caixas, por exemplo, e buscados quando a curiosidade exigir. Prefira expor materialidades que revelem a função social da leitura, escrita e da utilização numérica, como calendários, livros, listas escritas coletivamente, cartazes sobre alguma pesquisa que realizaram, regras de convivência, enfim...

As paredes de nossas pré-escolas falam e documentam. As paredes são usadas como espaços para exposições temporárias e permanentes de tudo o que as crianças e os adultos trazem à vida. (As cem linguagens da criança: A abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância, p. 146)

Como já conversamos em uma publicação anterior, as vivências com elementos da natureza são essenciais na educação infantil. Por que não dar preferência às plantas, flores, coleções de pedras, conchas, pedaços de troncos, gravetos, etc., para decorar os espaços, ao invés daqueles tradicionais murais em eva, por exemplo? Sempre que me pego refletindo acerca do espaço da educação infantil, me pergunto: eu teria isso na minha casa? Não, eu definitivamente não colocaria um mural de eva no meu quarto! 😅

Materiais, brinquedos e outros objetos ao alcance das crianças

De acordo com a médica e educadora italiana Maria Montessori, o mobiliário deve ser projetado de maneira que atenda às necessidades das crianças, como armários, prateleiras e estantes na altura dos pequenos e pequenas a fim de alcançarem as materialidades disponíveis. Esse acesso contribui para o desenvolvimento da independência e da autonomia das crianças, já que podem escolher o que desejam fazer e com o que gostariam de brincar, assim como contribuir para a organização e classificação.

Imagem meramente ilustrativa gerada pela inteligência artificial MidJourney para o Fala, Prô!

Algumas mobílias podem ser planejadas de forma que possam carregar e montar ou separar os espaços, deixando-os mais aconchegantes, privados e facilitando a construção de novos enredos. Mas para que isso aconteça de maneira segura, é preciso um espaço que permita uma livre movimentação, ou seja, que não esteja abarrotado por mesas e cadeiras.

Muitas vezes, na educação infantil, vemos salas de aula sendo organizadas com mesas e cadeiras ocupando o espaço central, o que impõe às crianças uma "ditadura postural", a qual certamente acarretará problemas de comportamento em algumas delas, pois não se sujeitarão a ficar sentadas por longos períodos de tempo. (Sabores, cores, sons, aromas: A organização dos espaços na Educação Infantil, p. 17)

Se há poucas cadeiras, onde as crianças podem se sentar então? Algumas opções são tapetes, pufes, almofadas, balanços de tecido, banquetinhas e até no chão, oras! Pense também que um espaço com menos mesas e cadeiras é um espaço mais inclusivo para as pessoas cadeirantes ou com mobilidade reduzida!

As materialidades que ficam "à vista" das crianças devem provocar, serem desafiadoras, convidá-las a explorar, a exercitar a criatividade, ter uma variedade de texturas para estimular as diferentes sensações táteis, estarem dispostas em lugares estratégicos e rodiziadas conforme a necessidade e intencionalidade: para descobrir o que funciona para o seu agrupamento, só observando no dia a dia mesmo! O restante dos brinquedos, itens de artes e outros objetos podem ser organizados e classificados em cestos, recipientes transparentes ou até mesmo caixas (caso estejam fechadas, é interessante colar uma foto para saberem o que há dentro). Se não souber como começar, existem vários vídeos, publicações e séries (um tanto satisfatórios) sobre a "arte de organizar": uma dica é o The Home Edit, que tem como uma de suas técnicas classificar os objetos por cores!

Dica de série: The Home Edit - A arte de organizar, disponível no Netflix

O protagonismo das crianças é fundamental!

Ainda é comum encontrarmos espaços na educação infantil que revelam uma prática centrada no/na educador/a, que direciona as vivências de acordo com seu tempo e suas próprias expectativas: móveis dispostos de forma que possa vigiar tudo e manter o controle das situações, sua mesa e cadeira separadas dos pequenos e pequenas para que fique afastada/o do grupo, brinquedos que pouco tem a ver com o interesse das crianças, desenhos que são cópias de modelos (e que revelam pouca criatividade) dispostos nas paredes...

Na educação infantil, encontramos, com frequência, paredes com bichos da Disney, figuras da Mônica e Cebolinha, "caprichosamente" colados, sem nenhuma interferência das crianças que habitam o espaço. Entre as consequências que isso acarreta, poderíamos citar uma "infantização" do processo de aprendizagem, como se as crianças não pudessem trabalhar com outros enredos que não esses, e como se elas não pudessem ter vontade própria. (Sabores, cores, sons, aromas: A organização dos espaços na Educação Infantil, p. 37)

Precisamos superar essa visão adultocêntrica para que o espaço permita interações e aprendizagens mais significativas, envolventes e encantadoras para as crianças, e nada mais adequado do que uma construção solidária entre a garotada e educadoras/es! Uma pergunta que pode direcionar o nosso olhar é Quais as vivências fundamentais para o grupo? As respostas podem surgir a partir de observações, dos registros (fotos, vídeos, anotações), das conversas, do levantamento de ideias, da descoberta das preferências das crianças, e que servirão como bases para repensar o espaço.

Com as ideias e intencionalidades em mente, você pode listar com as crianças as materialidades que já têm disponível, o que precisam confeccionar ou adquirir, desenhar uma planta baixa para planejar como será organizado, dentre muitas outras possibilidades. Conforme notam que são também protagonistas do processo de construção do espaço, os pequenos e as pequenas desenvolvem uma noção de pertencimento, além da responsabilidade pela sua preservação, organização e cuidado. Aos poucos vão até trazendo de casa objetos para compor a decoração e compartilhar com seus pares, como elementos da natureza, livros, tecidos, e o que mais agradar!

"Um espaço com uma boa composição aliado a um(a) professor(a) comprometido(a) abre muitas possibilidades para a prática pedagógica, ao contrário do controle e das crianças ficarem sempre esperando qual é a próxima atividade, reféns do adulto."
Na dica de leitura de hoje compartilhamos publicação Para pensar a sala referência na educação infantil, de Marcela Chanan para o blog Cultura Infantil.

Você já reconstruiu o espaço onde trabalha com as crianças? O que você fez ou faria diferente daquele espaço tradicionalmente pensado para a educação infantil? Quais outras dicas compartilharia conosco? Escreva nos comentários logo abaixo e não se esqueça de nos acompanhar também no Instagram e Facebook para mais novidades! 😀

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