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25 novembro 2020

Relato de prática: Brincadeiras com água na Educação Infantil

✎ Por Fernanda Fusco

Ao longo de 2019, uma das solicitações mais comuns das crianças da minha turma de Infantil I (4~5 anos) foi a compra de uma piscina para os momentos de brincadeiras. Me pediam quase que diariamente por uma festa onde poderiam vestir suas roupas de banho, se refrescar e se divertir com os amigos. Mas como organizaríamos tal momento, considerando que era uma demanda apenas da minha turma e não poderíamos contar com nenhum recurso (humano ou material) sem antes solicitar à gestão? Em uma perspectiva de autoria e protagonismo infantil, resolvi me reunir com os pequenos, levantar meus pontos de vista e problemas para que, juntos, buscássemos uma solução rápida e possível para colocarmos em prática.

Nos dias quentes, as brincadeiras com água sempre foram muito recorrentes mesmo quando eu não propunha ou disponibilizava materiais com esse objetivo: esse elemento complementava as brincadeiras de comidinha quando misturavam com terra e folhas; era foco de experiências que envolviam a exploração e observação do peso e volume, assim como momentos de relaxamento; era objeto de criação artística, quando utilizavam para desenhar formas no chão e paredes com as mãos; era "munição" para as guerrinhas de molhar quando eu "não estava olhando"... Eram vivências que sempre partiam das necessidades e iniciativas isoladas de algumas crianças e/ou pequenos grupos: o desafio agora era envolver toda a turma em um mesmo momento de jogo simbólico.


Iniciativa das crianças: fazer comidinha com água e terra

Confesso que, em nossa reunião, já pensava em um tema específico: brincaríamos juntos de praia no espaço externo! Mas quais cantinhos poderíamos organizar para diversificar a experiência e contemplar a todas e todos? Também tinha algumas ideias em mente, mas gostaria de construir a proposta junto com a turma: na roda da conversa, conforme as crianças levantavam sugestões e completavam às dos seus pares, eram convidadas a concretizá-las, procurando pelos materiais e organizando no parque - estratégia que envolve a criatividade e o raciocínio lógico para a resolução de problemas reais. Ao todo, organizamos três cantinhos temáticos:

A areia, espaço de relaxamento das crianças

  • O mar, com caixas cheias de água, brinquedos com formato de peixes e outros animais marinhos;
  • A brisa, com borrifadores cheios de água;
  • A areia, com tecidos que fingimos serem esteiras e cangas, e pequenos guarda-sóis.

Além disso, surf music e músicas com a temática compunham a nossa trilha sonora:

As crianças circulavam pelos cantinhos de forma livre, construindo suas narrativas de acordo com o tema proposto e interagindo com seus pares. Foi também um momento de respeito às suas necessidades, vontades, humores: afinal, havia aqueles que preferiam brincar de pega-pega com seus amigos, molhando-os com os borrifadores; outros exploravam as bacias com água, lavando os brinquedos, contando-os, experienciando suas densidades e volumes; outros ainda preferiam deitar nos tecidos para tomar banho de Sol, bater um papo ou apenas descansar; e outros dançavam ao som da trilha sonora, inventando coreografias e convidando os colegas a participar.

Mesmo as crianças que preferiam brincar sozinhas, interagiram com os colegas durante a exploração das caixas com água

Após a vivência, todos ajudaram a guardar os materiais e conversamos conforme habitual: os pequenos contavam quem eram seus parceiros, o que fizeram, quais histórias criaram, apontavam os pontos fracos e como poderíamos melhorar nas próximas vezes (sugeriram incluir baldes e galhos para pescar, por exemplo). Como a utilização da água era limitada à quantidade das caixas, conversamos também sobre esse recurso, sobre a importância de economizar e não desperdiçar.

Uma das crianças assinando a ata de nossa reunião

Foi um momento tão gostoso e enriquecedor que, sempre que fazia Sol, as crianças pediam para repetir! Inclusive, após nossa assembleia do Conselho Mirim, a turma resolveu solicitar à gestão uma "festa na piscina". Segue a transcrição de nossa ata, assinada por todos os participantes: 

"Começamos a nossa reunião lembrando da conversa da Assembleia. O G.sugeriu uma festa na piscina porque quer usar "sunguinha". A L. quer usar biquini. A maioria das crianças gostou da ideia. A professora Fernanda disse que a escola só tem duas piscinas pequenas. A L. pediu para comprar uma piscina grande. O G. quer um trampolim. A V. disse que não quer nadar e que as meninas podem se vestir de super heroínas roxas com máscaras. A M. deu uma ideia de usarmos bóias, mas o C. disse que a piscina tem proteção. M. disse que temos que trazer protetor solar. Podemos tomar água de coco e sorvete natural. A V. disse que podemos comer banana, maçã e uva. O V. disse que podemos comprar um barco e carros que mudam de cor. Podemos também pegar peixinhos e vara de pescar. O P. falou que podemos fritar para comer. A A. quer saber o dia para avisar a sua mãe. Ela disse que podemos colocar areia azul no chão para fingir que é praia. O I. sugeriu trazer Hot Wheels de água e dinossauro. M. disse que podemos comprar uma piscina sem bolinhas e colocar água. Finalizamos a reunião. A R. falou que podemos brincar com fantasias."

Infelizmente não conseguimos realizá-la - já que o Conselho Mirim considerou as opiniões de todas as turmas e decidiu organizar uma festa à fantasia -, mas este momento de discussão e planejamento foi muito importante para contribuir no desenvolvimento da comunicação oral, escuta e reflexão sobre a escrita. Penso inclusive nas inúmeras outras possibilidades que a brincadeira de praia desencadearia caso tivéssemos mais tempo hábil: o estudo sobre animais marinhos, compartilhamento de fotos e relatos das famílias sobre viagens à praia, entrevistas com pessoas que moram perto do mar, pesquisa sobre fenômenos naturais como o tsunami, descobertas sobre os povos indígenas que vivem nas regiões litorâneas, leitura de livros sobre a temática, exploração de elementos naturais como areia e conchas... Fica para uma próxima vez!

Parceria com a turma da professora Ellen Marçal

A professora parceira e idealizadora do Pedagomamy Ellen Marçal, com sua turma de Infantil II (5~6 anos), também participou desta vivência na unidade em que trabalho! Segue o seu relato:

Além de oferecer diversas materialidades, a professora Ellen Marçal ensinou os pequenos a confeccionar barquinhos de papel para compor a brincadeira

Costumo dizer que um bom cantinho de brincadeiras enche os olhos das crianças e dos adultos. Ele é convidativo por si só: a gente olha e tem vontade de brincar! Quando montamos esses espaços na área externa da escola, observamos o encantamento de todas as turmas ao passar. E como era bom quando em conjunto: organizávamos esses espaços ou mesmo nos beneficiávamos compartilhando a brincadeira autoral de outra turma.

Ao voltarmos de um dia caloroso no outro parque, encontramos os guarda-sóis abertos, brinquedos de praia, crianças felizes e se divertindo com bacias e baldes de água. Claro que os meus pequeninos não hesitaram em perguntar: “Prô, a gente pode também?” Confesso que eu também tive vontade de brincar, rs. 

Me aproximei para entender melhor qual era a proposta e algumas crianças contaram com muita alegria o que representava cada objeto daquele espaço: “Uma praia! Estamos na praia!” Legal quando vemos a propriedade das crianças para contar os detalhes do que eles escolheram e organizaram nesse momento coletivo de brincadeira; isso revela que estão a todo momento protagonizando suas ações!

Misturar duas turmas de rede pública não é tarefa fácil, pois os olhos dos adultos vislumbram muito mais uma bagunça do que uma brincadeira; mas esses momentos são fundamentais para ver a troca e partilhar de ideias entre eles! “Prô, as crianças da Prô Fê estão estudando a praia!” Essa brincadeira, além da diversão do momento para a minha turma, também gerou no grupo curiosidades sobre os animais marinhos e ajudou em nosso outro projeto, o Bichinhos e Bichões: a turma descobriu e pesquisou informações sobre a tartaruga-marinha.

Fico tão feliz quando essas trocas acontecem! E natural, leve como a infância e o ser criança.

Extra: Brincadeira de Terra e Mar

Na época em que organizamos esses cantinhos, realizávamos também estudos e pesquisas a respeito do continente africano. Estabelecendo uma conexão entre a brincadeira de praia, ensinei a turma a brincar de Terra e Mar, popular de Moçambique.

A professora Ellen Marçal e sua turma de Infantil II (5~6 anos) também brincaram de Terra e Mar!

Com uma linha reta riscada no chão, delimite o lado que será o mar e o lado que será a terra. Com as crianças posicionadas atrás da linha, dê os comandos para que pulem para a terra ou para o mar. As crianças que erram são eliminadas e vence quem permanece até o final. Além de contribuir para o desenvolvimento da atenção, coordenação motora e respeito às regras, notei que os pequenos passaram a compreender que tem vezes que perdem, tem vezes que ganham, e tudo bem! Gostaram tanto que, mesmo nos momentos de brincadeiras livres, reuniam-se com seus colegas para brincar!

E você, já realizou alguma vivência com água com a sua turma? Como foi? Conte um pouquinho sobre essa experiência nos comentários! Em uma publicação anterior, listamos uma série de vivências para Educação Infantil com o objetivo de  permitir a exploração da natureza e seus elementos especialmente no contexto de volta às aulas. Confira também!


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