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14 novembro 2020

Política na Escola: "Sou professora, mas não discuto política!"

✎ Por Fernanda Fusco

Ao longo de alguns anos, escolhi não me manifestar quando o assunto era política: considerava pouco acessível, não questionava e tinha medo de transparecer a minha ingenuidade e ignorância, deixando os debates para os supostos "eruditos" de plantão (ou papagaios de telejornal?). Mesmo após formações, leituras e pesquisas, acabava optando pelo silêncio, mas desta vez com medo de represálias por conta da minha visão de mundo. Quantas vezes não ouvimos que política não se discute, não é mesmo? Com o passar do tempo, descobri que tudo se discute: depende se você e seus interlocutores estão dispostos a ouvir e compreender! Percebi também o quanto é importante me posicionar politicamente, especialmente por ser educadora e compreender o meu papel na formação de cidadãos críticos, autônomos e emancipados. E, às vésperas das eleições municipais, decidi quebrar meu silêncio: vamos discutir política e pensar sobre o impacto de nossas escolhas? Agradeço inicialmente à professora Nelice Pompeu, que atua na rede pública municipal de São Paulo, está sempre engajada nas questões políticas e sociais e que me deu um empurrãozinho para que este post fosse possível!

Imagem meramente ilustrativa: eleição de representantes da minha turma para o Conselho Mirim (2019)

Veja, política vai muito além de decidir entre esquerda ou direita, consumir notícias da revista semanal, compartilhar memes criticando nosso despresidente ou ter um político de estimação: tudo o que nos rodeia é política! As nossas ações, as nossas escolhas, os nossos relacionamentos e até você, a partir do momento em que pisou nesta Terra (esférica!), é um ser político! Quando nos organizamos nas mais variadas instituições estamos fazendo política, pois pensamos e executamos ações que envolvem (ou deveriam envolver) um bem comum - a quadrinista Racka Abe ilustra alguns exemplos em seu Manual da Vida Adulta, no final deste post.


Já parou pra pensar no termo projeto político-pedagógico, que faz parte do contexto educacional? Quando a equipe se reúne no início do ano letivo para revisitá-lo, refletir a respeito, sugerir modificações ou até reescrevê-lo, estão pensando politicamente. A leitura que fazemos da comunidade onde a escola está inserida, por exemplo, é política. A nossa concepção de infância e adolescência é política. A nossa atuação na escola, mesmo quando envolve o currículo oculto, é política. A forma como nos relacionamos com nossos alunos, colegas, equipe gestora e famílias é política. A escolha de assuntos que tratamos durante nossas aulas ou vivências que oferecemos é política. A opção entre adotar uma pedagogia antirracista ou o silenciamento diante atos de intolerância e injustiça é política. Até a escolha de nossas palavras é política!

Todas e todos nós somos seres políticos e daí a importância de entrarmos nestes debates: como a vlogueira e jornalista Jout Jout aponta de maneira leve e divertida em seu vídeo (logo abaixo), são essas conversas que nos fazem sair de nossa bolha social, compreender outras realidades e descobrir o que realmente queremos defender. Essas reflexões também desenvolvem o nosso senso crítico e nos deixam mais alertas quando tentam se aproveitar de nossa suposta ingenuidade utilizando recursos como demagogias, falácias e as fake news. Se assumirmos a nossa neutralidade (que também é um ato político!) e restringirmos a discussão apenas àqueles que julgamos mais "entendedores", será que faríamos as escolhas mais adequadas e que atendam às demandas da sociedade? E quantas vezes não jogamos a responsabilidade para outrem enquanto assumimos um voto em branco ou enquanto apenas seguimos o posicionamento de alguém que consideramos mais apto à decidir?

Votando com consciência

Desde muito pequenos ouvimos sobre a importância do voto consciente: aposto que até deve ter sido objeto de estudo na escola onde trabalha - especialmente quando as eleições estão se aproximando! Mas afinal, o que é votar com consciência? De acordo com o portal Politize!, uma definição bastante sucinta é de que "um voto consciente é feito com a consciência de que foi feita uma escolha adequada".

A jornalista Jout Jout desenvolveu uma série sobre política em seu canal. Vale a pena conferir!

Em primeiro momento, precisamos entender que o voto não tem impacto apenas em nossa vida, mas na vida de toda a população; quando pensamos em uma candidata ou candidato, devemos analisar se está apta(o) a atender às demandas da sociedade. Cada um de nós enxerga essas demandas de forma diferente, de acordo com nosso histórico e formação; estar no chão da escola, junto à comunidade, também amplia esse olhar! E quando temos consciência de classe, de luta e nossos princípios estão bem definidos, fica muito mais fácil filtrar e fazer nossas escolhas. Se acredita na educação pública e de qualidade, por exemplo, faz sentido apoiar privatizações e políticas neoliberais? Se o Estado é laico, vale incentivar bancadas que defendem determinada religião e querem enfiar sua moral goela abaixo de toda a população? Se defende uma educação antirracista, faz sentido apoiar candidatos que menosprezam políticas reparatórias ou movimentos populares e ainda afirmam que não são racistas pois tinham ama-de-leite negra (oi?)?

Embora o tempo de campanha na televisão para alguns cargos e candidatas(os) seja muito curto, é possível conhecer seus projetos através das redes sociais e sites oficiais. Com essas informações em mãos, analise seus históricos de luta, suas formações, conheça seus partidos e coligações, quais são seus redutos eleitorais (perifa ou bairro nobre?), se possuem canais de diálogo com a população e se defendem a democracia e transparência. O site do Tribunal Superior Eleitoral também divulga informações como quem os financia - o que pode dar pistas sobre os interesses que atendem. Caso já estiveram em posições de poder, procure descobrir como foi essa atuação, leia notícias de diversas fontes e analise se são apenas mais um cara/mina que aparece pra comer um pastel e tomar caldo-de-cana a cada quatro anos ou se sempre esteve na luta com quem está na base.

Quanto aos seus projetos e promessas, é preciso ficar atento se estas estão de acordo com as suas funções: um candidato ou candidata a vereador(a), por exemplo, não pode prometer aumentar o número de vagas na Educação Infantil, abrir concursos públicos ou construir escolas; essa função é do poder executivo! No entanto, embora não tenham esse poder, é interessante compreender quais pautas defendem e como se posicionam. Sabemos que precisam ter uma visão ampla a respeito do urbanismo e da sociedade como um todo; mas, no que compete à nossa área, podemos observar também como a(o) candidata(o) e seu partido enxerga a trabalhadora e o trabalhador, o funcionalismo público, os sindicatos,  as greves e manifestações, as ações afirmativas como inclusão e políticas de reparação, o combate à desigualdade (de gênero, étnico-racial, lgbtqia+fobia, etc.), se defendem a ciência, a cultura, o meio ambiente, os povos originários, os imigrantes, a formação docente, a melhoria salarial, a abertura de concursos públicos, a redução de alunos por sala... Podemos analisar também qual foi o seu posicionamento a respeito da atual pandemia, da vacina, se está em defesa do SUS e o que pensa sobre os protocolos de volta às aulas.

Por fim, como vivemos em uma democracia, temos o total direito de escolher nos silenciar ou de adotar um posicionamento neutro - que, como vimos, também são atos políticos. Obviamente, também é nosso direito criticar quem está no poder, apontar erros e fazer cobranças. Porém, de nada vale reclamar das escolhas de terceiros quando nós mesmos optamos por fugir desta responsabilidade - que começa com o nosso voto. Por que estamos no chão da escola? Para o que e para quem estamos lutando? Quem somos e quem queremos formar? Acho que tudo isso devemos discutir para fazermos escolhas mais conscientes.

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