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03 setembro 2022

Escola e competências individuais: por que este (não) tem sido o melhor espaço para desenvolvê-las?

✎ Por Mayara Gonçalves

Quantas vezes você já duvidou de si mesma/o? Assim começa o texto que marca o meu retorno ao Fala, Prô! depois de um hiato que teve: pandemia, retomada da vida e uma fugidinha "pras Europas" após de 4 anos sem férias. E por que eu estou contando tudo isso a partir de uma pergunta reflexiva dessas? Porque foi viajando que eu pude pensar sobre essa pergunta.

Toda plena na Rue de la Huchette, em Paris (07/2022). Clique aqui para ver mais!
Desde os tempos da faculdade de design gráfico (na qual me formei em 2014), eu fico me perguntando o quão boa sou no que faço. Apesar de hoje não atuar mais como designer (minha saúde mental agradece!), acredito que tal questionamento seja um resquício das inseguranças que adquiri lá. A viagem foi ainda mais propícia para essa reflexão, pois os lugares que pude visitar foram os mais comentados durante as aulas que eu gostava (história da arte e sociologia salvaram aquela faculdade cheia de egos artísticos prontos para disputar atenção!).

Passei 4 anos da minha vida me perguntando o que eu tinha ido buscar naquele curso, uma vez que a habilidade com o desenho e o atingimento da perfeição digna de grandes obras nunca foram mais do que um sonho de criança (que queria trabalhar na Abril e ser o Maurício de Souza nas horas vagas) totalmente frustrado. Como uma visão de mundo tão diversa poderia caber nisso tudo? Se o tempo todo ouvia de dentro pra fora e de fora pra dentro:

"No meio dessas pessoas você sofre menos se jogar com as artes que já domina: capacidade analítica e escrita. Porque você não é boa nas outras coisas."

Tentando jogar em um campo que me era desconhecido na prática (lápis, aquarela, papel, uma pitada de melancolia e a paciência que até hoje eu não entendo como todo artista tem) aprendi que, diferente do que me disseram, aquele não era lugar de experimentar e ser livre para criar. Aquele era um lugar para aprender a reproduzir padrões.

Passei 4 anos da minha vida aproveitando aquele curso como um experimento antropológico, onde aprendi muito sobre pessoas, comportamento e sobre o tipo de artista que eu não queria ser. Pra não dizer que foi de tudo ruim, teve o 10 que tirei no portfólio de ilustrações em homenagem à Kombi e ao movimento hippie e o 10 no TCC, que misturava literatura infantil, circo, pedagogia e assuntos delicados de se abordar com crianças - meu ego artístico está salvo graças a esses trabalhos!

Capa do portfólio de ilustrações sobre a Kombi e a Cultura Hippie (04/2014)
Remember que eu fiz desse portfólio em 2019 para marcar o fim da produção do Fusca pela Volkswagen

Evidentemente, eu precisava de mais para mostrar a que vim. Não uma mera reprodução, mas uma história para contar por trás daqueles trabalhos. E isso não faltou durante a viagem! Foi naquele cenário de sonho que me permiti fotografar novamente e aproveitar da minha perspectiva diversa de mundo para mostrar a que vim. E o que mais me surpreendeu foi o tanto que gostei de algo que tinha aprendido também na faculdade: registrar detalhes dos espaços que visito.

Detalhe da Basílica Matriz de Aparecida em São Paulo (03/2014)
Recorte de fachada, Église Saint-Séverin, Paris (07/2022)

E foi assim que, a partir de uma nova história para contar, soube que sou sim boa no que faço. Como um direito recém adquirido que toda a criança em idade escolar já deveria ter conhecido. 

Escola e competências individuais: por que este (não) tem sido o melhor espaço para desenvolvê-las?

Atualmente a maioria das/os estudantes brasileiras/os está acostumada/o com uma metodologia educacional pautada tradicionalmente em provas e pontuações, que tem o dever de resumir (em um número e poucas linhas de relatório) os progressos e o nível de conhecimento de cada um/a. Assim, esse método corresponde à busca pelo atingimento de um padrão, uma meta previamente determinada. Na prática, se uma pessoa é ensinada a cumprir metas e atingir padrões dentro da educação, teoricamente estará "muito bem preparada para sua vida adulta", onde o sistema capitalista a cobrará este tipo de comportamento. 

Por outro lado, além de incentivar a comparação, a cobrança pelo atingimento de metas tem enormes chances de gerar uma frustração ligada ao processo de aprendizado, e impactar na autoestima de estudantes desde cedo. 

Tirinha da cartunista Thaís Carmo (passe para o lado!)

Então, será que esse modelo educacional funciona de verdade? Certamente não, uma vez que este modelo pedagógico não reflete mais as necessidades de estudantes enquanto seres pensantes e cidadãos plenos. Afinal, apelar para a "decoreba" que garante a nota da prova, não contribui para a descoberta de competências individuais e nem para que as próprias crianças e jovens consigam olhar para o seu processo de aprendizado e desenvolvimento com prazer.

Escola da Ponte: uma visão democrática do ensino

"A aula não ensina. A prova não avalia." Essa frase foi dita por José Pacheco, educador português que fundou a Escola da Ponte, localizada na cidade portuguesa de São Tomé. É assim que estudantes aprendem em uma escola com uma perspectiva democrática: sem provas, sem divisão por séries e com a autonomia de escolher aquilo que lhes interessa aprender. Veja como funciona: 

E para quem pensa que ter autonomia na escola é não contar com o apoio de professoras/es, não é bem assim! Na escola democrática elas/es são as/os principais responsáveis por mediar/coordenar a comunidade de estudantes, fornecendo as ferramentas adequadas para se aprofundarem no assunto que querem aprender. Além disso, quando o assunto são as avaliações, a/o professor/a ajuda a turma a decidir democraticamente como será avaliada.

Para um país como o Brasil, que ainda está acostumado com os moldes tradicionais de educação (embora as publicações institucionais e currículos oficiais propõe o contrário há anos), esta parece ser uma escolha ousada e até ineficaz para a formação do indivíduo. Porém, na prática o que vemos é bem diferente: o senso de sociedade, responsabilidade e pertencimento é aflorado individualmente, através das práticas coletivas realizadas na escola.

Aliás, até o conceito de "sala de aula" ganha novos contornos e propósitos: um espaço (dentro ou fora da escola) onde todas/os aprendem com todas/os e não há margem para exclusões e comparações. Consequentemente, o processo de adquirir segurança sobre as competências individuais se torna natural para cada um/a. Ou seja: adeus ao discurso "não sou boa/bom em nada!" 😀

Aula, fato ou mito? | José Pacheco | TEDxPassoFundo - YouTube

E o melhor de tudo isso? Pacheco hoje mora no Brasil e acompanha projetos de educação diversificada, que tem como base a educação democrática por todo o país (como a Escola Politeia e a Escola Municipal Desembargador Amorim Lima, localizadas em São Paulo). Muito mais do que um sonho de Pacheco, a escola democrática é uma maneira inteligente e humana de provocar transformações sólidas em nossa sociedade.

E você, prô?: o que pensa sobre os abordagens educacionais possíveis para um Brasil melhor? Quero ler seu comentário! Até a próxima! 😘

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