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28 novembro 2020

Entrevista: Mayara Gonçalves

✎ Por Fernanda Fusco

Fala, professoras e professores! É com muita alegria que anunciamos a chegada da mais nova colaboradora de nosso projeto: a Mayara Gonçalves, que ampliará nossos olhares para a pessoa com deficiência em seus artigos mensais! Nesta entrevista, a especialista em marketing digital e fada-madrinha na Make a Wish Brasil contará pra gente um pouco de sua trajetória e formação, de seus maiores desafios e conquistas, e porque a inclusão é um tema de seu interesse. Vem com a gente!


"Pessoalmente gosto do que me tornei, pois tenho cada vez mais oportunidades de usar minhas habilidades e história de vida a favor, não só de mim, mas de quem precisa." (Mayara Gonçalves)

Seja muito bem-vinda ao Fala, Prô!, Ma! Sobre quais temas você pretende tratar em seus artigos mensais?

Agradeço o convite das queridas do Fala, Prô! É uma honra ter esse espaço e fazer parte da equipe. ❤️Em meus textos pretendo falar sobre questões pertencentes ao mundo das pessoas com deficiência e como elas interagem com tudo que as cerca. A partir daí, minha intenção é convidar as educadoras e educadores a refletirem sobre suas práticas escolares, dando ideias de como estruturá-las segundo as reais necessidades de pessoas que, como eu, convivem com uma deficiência.

Por que o mundo das pessoas com deficiência é um assunto de seu interesse?

O assunto da inclusão e acessibilidade dentro e fora do ambiente escolar faz parte da minha vida, já que nasci com paralisia cerebral e convivo com ela há 29 anos. Nessa trajetória, percebi que existe muita falta de informação, preconceito e um certo "medo" do desconhecido por parte da sociedade dita "normal". Isso acaba conferindo aos PCDs (pessoas com deficiência) lugares inferiorizados aos quais eles não pertencem e nem nunca pertenceram na realidade, mas que a sociedade os coloca por ser mais fácil rotular do que respeitar, acolher e valorizar as particularidades e necessidades de cada ser humano. Então, meu jeito de combater tudo isso é falar sobre minhas vivências e ajudar outras pessoas a construírem um olhar diferente sobre a pessoa com deficiência.


Pode contar pra gente sobre a sua trajetória e profissão?

Nasci prematura (em um parto de 6 meses) e, por isso, meu pulmão não estava bem formado e não consegui respirar. Devido à falta de respiração no parto, tive o que chamam de paralisia cerebral diplégica espástica. Dentre todos os tipos de paralisia, a minha é considerada uma das mais leves e, na prática, consigo andar pequenas distâncias me apoiando em pessoas ou móveis e meu equilíbrio não é dos melhores - é interessante dizer também que cada quadro de paralisia, como o meu, se desenvolve de um jeito único, afetando cada um de uma forma. Desde a pré-adolescência escolhi a cadeira de rodas para me locomover em grandes distâncias com mais facilidade, sem cansar e nem cair. Isso tem funcionado para mim até hoje. A deficiência faz parte do leque de características que me compõe e, além dela, sou uma pessoa que tem sede por desfrutar da vida. Sou festeira, aventureira e curiosa. Amo ler, ver série e me conectar com as pessoas. Acho que é disso que é feito o mundo: nossas conexões.

Profissionalmente falando, sou formada em design gráfico desde 2014 mas migrei em 2015 para o mercado do marketing digital. Hoje sou freelancer e atuo como gerente de redes sociais e redatora. Além desse trabalho, também tenho o prazer de ser Fada-Madrinha Voluntária na Make a Wish Brasil desde 2019. Lá realizo sonhos de crianças com câncer e outras doenças graves e levo esperança para elas e suas famílias durante o tratamento. Pessoalmente gosto do que me tornei, pois tenho cada vez mais oportunidades de usar minhas habilidades e história de vida a favor, não só de mim, mas de quem precisa.

Na sua opinião, por que a PCD é um assunto tão importante a ser tratado com educadoras e educadores?

É um assunto importante a ser tratado porque acredito que todo material escrito com boas bases sobre o tema da acessibilidade e inclusão dá suporte aos educadores. Minhas vivências e opiniões enquanto pessoa com deficiência tem o intuito de trazer um olhar mais real para a conversa, pontuando e desmistificando questões importantes dentro desse tema, que ainda é um tabu. Afinal, se você quer atuar como educador em prol da inclusão de verdade, nada melhor do que chamar PCDs para tratar de um assunto com o qual eles convivem todos os dias de suas vidas e aprender com o que eles tem a dizer, né?

Como foi o processo de inclusão da sua Educação Básica à universidade? Acha que foi efetiva?

Como nasci na periferia de São Paulo e não havia nenhuma informação em relação à inclusão por aqui, não fui aceita na educação regular perto de casa. Frequentei a escola da AACD durante 4 anos e, a partir da quarta série, ingressei na educação pública regular em escolas que ficavam em bairros de classe média. Tanto no ensino técnico quanto no superior, o padrão se manteve e fui bolsista integral do ProUni. A primeira pessoa da família a ter uma formação universitária. Brinco que por todos os lugares que passei, fui pioneira. Não havia outras pessoas com deficiência estudando nesses lugares antes de mim, e o esforço dos meus pais em brigar pelo meu direito à educação abriu caminho para outras pessoas com deficiência. Sobre a efetividade da inclusão em si, digo que acho que ela nunca existiu da forma que deveria ser. Afinal, se existisse, não teria tanta história para contar aqui no blog hahahaha esse assunto não seria um tabu até hoje.

Quais as educadoras e educadores que mais te marcaram ao longo da vida?

Marcello Bulgarelli me deu aula de literatura no colegial (na Escola Estadual Prof. Alberto Levy) e trouxe uma nova dinâmica para a sala de aula, dividindo-a durante o ano em grupos. Esses grupos competiam entre si e respondiam à perguntas feitas por ele, estimulando o desenvolvimento do pensamento analítico e crítico durante a análise de alguns clássicos da literatura. Além de ser um jeito divertido de aprender, levantava discussões muito incríveis em sala de aula que extrapolavam o livro e viravam verdadeiras análises comportamentais e sociais. Foi com ele que aprendi muita coisa, inclusive como defender um ponto de vista fazendo conexões entre várias coisas que aprendemos dentro e fora da escola. Ter aulas com ele reforçou a minha faceta questionadora e eu tenho saudades até hoje. 

Débora Gigli me deu aula de História da Arte (no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo): A Prof Débora tem um conhecimento vasto e apaixonante sobre museus, suas obras e sabe como ninguém explicar o que tudo isso tem a ver com a construção da sociedade. A aula dela é tão apaixonante que eu fiz 2 vezes (não porque eu repeti, mas porque eu queria mesmo hahahaha). Mais uma vez, os debates que aconteciam na aula dela e o incentivo que eu tinha quando começava a "conectar todas as coisas" na hora de construir um argumento, me fizeram ficar encantada.

O que você acha que as instâncias públicas e instituições privadas ainda precisam aprender em relação à inclusão?

Para aprender sobre inclusão de verdade, as pessoas por trás de grandes instituições e corporações privadas e públicas precisam primeiro reconhecer que pouco sabem sobre o assunto, pois pouco ouviram o que as pessoas com deficiência tem a dizer. Assumindo isso como verdade, é preciso estar disposto a reconstruir o modo de pensar, agir e tratar o PCD em sociedade. À medida que colocamos em cheque a visão limitada que foi atribuída ao PCD, estamos dando voz à PESSOA que há por traz da deficiência, e este é o caminho certo para uma inclusão real. Na prática, é um exercício diário de escuta e compreensão (que é árduo, mas muito importante), a fim de simplificar a vida de quem veio para um mundo que, na maioria das vezes, esteve despreparado para recebê-lo.

Quais os maiores desafios que enfrenta diariamente? E maiores conquistas?

Acho que há desafios novos todos os dias no fato de ser uma mulher com deficiência. Mas o que tem se mostrado mais latente atualmente é lidar com os retrocessos que se apresentam na sociedade, anulando conquistas tão suadas que lutamos para manter até hoje. Às vezes cansa bater sempre na mesma tecla da falta de empatia, planejamento e ação frente às reais necessidades de uma pessoa com deficiência. É muita burocracia, que um pouco de comunicação já resolveria. Quanto às conquistas, sou feliz por estar cercada de pessoas que são incríveis e ter muita gente do bem torcendo e correndo comigo. Além disso, tenho orgulho de ter meu próprio dinheiro (que garante grande parte da minha independência) e de poder trocar experiências com tantas pessoas ao longo da vida.

Mayara estará de volta da próxima quarta-feira (02/12) com o seu primeiro artigo aqui pro Fala, Prô!: tratará a respeito do papel da curiosidade e do educador ativo na vida escolar da criança com deficiência. Fique ligada(o)! Enquanto isso, não esqueça de deixar um comentário aqui pra gente sobre essa entrevista maravilhosa e com outras sugestões de temas!

5 comentários:

  1. Mayara é sensacional!! Desde o primeiro dia que a conheci a vejo se superando... Estou ansiosa para ler os artigos!!

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    1. AAAAAH MINHA FADA QUERIDA! Ainda vai me ver aprontando coisas muito legais por aqui. :P Obrigada pelo carinho!

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    2. Estou encantada pela experiência e pelos textos da Mayara! O artigo que vai ao ar hoje está incrível!

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  2. Que entrevista linda! Como certeza irei acompanhar os próximos artigos. A Mayara é uma pessoa incrível!

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