✎ Por Fernanda Fusco
Já experimentaram perguntar aos pequenos e pequenas qual o significado do Dia das Crianças? Há anos questiono as minhas turmas e, sem nem um pingo de surpresa, ouço da maioria que a data serve para receber presentes ou visitar lojas para escolher brinquedos. Mas o que, de fato, comemoramos? 🤔
Imagem meramente ilustrativa: dia de troca de brinquedos (2018). Arquivo pessoal. |
No dia 12 de Outubro, além de ser considerado feriado nacional devido à celebração do Dia de Nossa Senhora Aparecida para os católicos, celebramos o Dia das Crianças: de acordo com uma matéria publicada no portal BBC News Brasil,
No dia 12 de outubro de 1923, o Rio de Janeiro, então capital federal, sediou um evento que reuniu estudiosos de infância e políticos de vários países. Era o Congresso Sul-Americano da Criança, cuja pauta discutia questões educacionais, alimentares e de desenvolvimento.
Graças a empresas como Estrela e Johnson & Johnson (mais especificamente em 1955), a data foi apropriada pelo comércio que tem como objetivo, obviamente, vender mais nesta época do ano. Não é à toa que, assim que chega o mês de outubro, começamos a ser bombardeadas(os) por propagandas de brinquedos e outros produtos direcionados ao público infantil e, por consequência, nossas crianças também são atingidas.
Embora o currículo não deva ser pautado pelas datas comemorativas, a necessidade de não perpetuar a cultura do consumo desenfreado pode servir como disparador para um trabalho reflexivo em nossa unidade - mas que também pode (e deve!) ser estendido para outros meses. Considerando que a escola é espaço de mudança, o que nós, enquanto educadoras e educadores, podemos fazer para ressignificar essa data e não reproduzir o que já vem sendo feito na sociedade há anos a fio? A seguir, traremos algumas sugestões de práticas para realizar com os pequenos e pequenas ao longo (ou a partir) da Semana da Criança!
O que são os Direitos das Crianças?
Já que o objetivo da data é refletir e assegurar os direitos das crianças, a nossa primeira sugestão é a introdução desta temática: inicialmente, para descobrirmos o que os pequenos e pequenas pensam a respeito, podemos realizar sondagens através de uma roda da conversa, da gravação de um vídeo, da escrita coletiva de uma lista ou mesmo de desenhos. As perguntas geradoras podem ser: O que são direitos? Criança tem direito a o quê? Toda criança tem direitos? Como este é um levantamento de hipóteses, não precisamos ainda fazer qualquer intervenção: basta ouvir e entender para, então, planejarmos futuras estratégias.
Contação d'O livro dos grandes direitos das crianças (Hiro Kawahara) pelo canal Fafá Conta Histórias
Porém não basta que esse conceito fique apenas no campo teórico: para que compreendam de fato, precisamos colocá-los em prática. Se criança tem direito a ser escutada de forma ativa, é preciso considerar suas ideias, sugestões e críticas no dia a dia do fazer pedagógico. Se a criança tem direito de ter autonomia, é preciso que nosso tempo e espaço seja organizado para que façam suas escolhas e tomem decisões. Se criança tem direito a brincar, é preciso assegurar esta ação (de forma direcionada ou não) em nossa rotina diária. Se criança tem direito a ser respeitada em sua diversidade, é preciso que as vivências e materiais da escola sejam acessíveis e inclusivos. Esse é um ótimo momento para avaliarmos também nossas práticas, nosso espaço e repensarmos o currículo!
Para dar continuidade a essas reflexões, podemos incluir ao longo do ano práticas como assembleias regulares para a tomada de decisões coletivas e a formação de um Conselho Mirim; cantos de vivências diversificadas (conhecidos como cantinhos) diariamente ou semanalmente para que tenham oportunidade de escolher o que e com quem gostariam de aprender naquele momento; e até produtos finais, como a escrita de um livro, a produção de um vídeo ou um mural sobre os Direitos das Crianças!
Playlist com algumas músicas para pensar sobre os direitos das crianças. Clique para ouvir!
Protagonismo e autoria na Semana da Criança
Pensando na escuta ativa e no protagonismo da molecada, uma outra opção é organizar um momento para que tragam sugestões do que gostariam de fazer ao longo da Semana da Criança: esse levantamento de ideias pode ser realizado durante uma roda da conversa com cada turma ou uma assembleia com todas as crianças da unidade, enquanto alguém toma notas. É claro que algumas decisões demandam o envolvimento de toda a equipe e algumas também não são possíveis de ser concretizadas (como uma viagem para a Disney, por exemplo), mas é aqui que fazemos as intervenções para uma busca coletiva de soluções: Como faremos brincadeiras com água se nesta semana fará frio? Não temos tempo para organizar um piquenique no parque: vocês têm outra sugestão? Infelizmente não temos dinheiro para alugar brinquedos infláveis: existe outra opção para nos divertirmos? Nem todas as crianças têm pijama/fantasia: o que podemos fazer para que todas sejam incluídas?
Coordenadora pedagógica Márcia Trípodi mediando a Assembleia das Crianças e ata da reunião registrada por Ellen Marçal (2019). Arquivo pessoal. |
Ao longo deste momento de brainstorm (ou chuva de ideias), surgirão tanto sugestões de vivências mais desconectadas de um tema (como brincadeira com massinha, dança das cadeiras, cinema com pipoca, etc.) como dias temáticos (festas do pijama, à fantasia, das cores, gincana, entre outros). Particularmente prefiro organizar essa semana em dias temáticos para que marquem o período e tenham um caráter mais especial para os pequenos e pequenas - mas isso vai da preferência de cada educador e educadora! Em meu momento de hora-atividade, costumo filtrar as ideias (sozinha ou com meus pares) e organizá-las no calendário - mas isso pode também ser pensado junto às crianças. As vivências mais desconectadas encaixamos nas datas especiais: cinema com pipoca na Festa do Pijama, dança das cadeiras na Festa à Fantasia, brincadeira com massinha na Festa das Cores, e assim por diante...
E essa prática não precisa ser reservada apenas para a Semana da Criança: lembro que no primeiro semestre de 2017, minha turma estava sedenta por uma Festa do Pijama (provavelmente viram em alguma animação ou livro) e me cobravam quase que diariamente. Decidi então que a realizaríamos, porém precisava que me ajudassem a planejar: elaboramos uma lista de quando e como faríamos e pedi para que ilustrassem. A turma elegeu, então, alguns representantes para que apresentassem ao coordenador pedagógico e à assistente de direção (minha querida amiga Márcia Trípodi) e, diante da aprovação da equipe gestora, elaboramos um bilhete que foi enviado às famílias. A festa em si foi um sucesso (nosso produto final), mas todo o processo de planejamento possibilitou o desenvolvimento de algumas habilidades: criatividade, comunicação oral, busca por soluções, reflexões sobre a escrita, leitura do calendário, entre outras!
Semanário elaborado no ano de 2019 com base nas sugestões das crianças e do planejamento com a equipe pedagógica (clique na imagem para aumentar). Arquivo pessoal. |
A partir do pedido das crianças por uma Festa da Piscina, em 2019 planejamos uma brincadeira de praia. Clique aqui para saber mais!
Vivenciar vale mais do que ganhar presentes
No início desta publicação, comentei que há anos ouço de minhas turmas que o Dia das Crianças serve para receber presentes ou visitar lojas para escolher brinquedos. Como nós, enquanto educadoras e educadores, podemos mudar essa concepção se muitas vezes a reforçamos entregando presentes nesta data sem qualquer intencionalidade (além de simplesmente presentear)? É claro que ser presenteada(o) é uma delícia, mas o ato de presentear na escola pode ser muito mais significativo se houver análise, reflexão e participação das próprias crianças!
Oficina de brinquedos e arte-objetos com materiais reaproveitados (2019). Arquivo pessoal. |
No item anterior, trouxemos como sugestão o planejamento coletivo da Semana das Crianças: a partir das ideias levantadas, por exemplo, é possível pensar em algum tipo de presente que permita a interação com os seus pares e seus familiares. Que tal confeccionarem seus próprios brinquedos em uma oficina com materiais reaproveitados? Fazer juntas(os) suas próprias massinhas para levar para casa, acompanhadas da receita? Tirar fotos com a turma e montar um álbum de figurinhas? Ou mesmo construir brinquedos tradicionais em um dia especial com sua família? Mais do que o produto final em si, as crianças levarão para a casa (e para a vida) essas memórias!
Existem também outras opções bacanas para que a garotada compreenda o que é o consumo consciente e responsável: analisar propagandas e vídeos de youtubers direcionados ao público infantil, organizar debates sobre consumismo, fazer um mercado de pulgas ou feira de troca de brinquedos, doar aquilo que não usa mais (mas que pode ser útil para outra pessoa)... Assim como qualquer outra prática, é importante que as famílias também sejam formadas (através de bilhetes ou mesmo reuniões) para que compreendam qual é a nossa concepção de infância, de ensino-aprendizagem e como podem dar continuidade ao trabalho em casa. Para saber um pouco mais sobre o assunto, o programa Criança e Consumo traz também algumas sugestões de práticas para a Semana das Crianças!
Em 2018, aqui no Fala, Prô!, publicamos um planejamento intitulado É preciso ter para ser feliz? que visava conscientizar as crianças a respeito do consumo responsável (um dos princípios da sustentabilidade), da alimentação saudável, valorizar comportamentos éticos e morais, assim como promover reflexões sobre o conceito de felicidade. Clique aqui para conferir!
Por fim, destacamos que o ano inteiro deve ser planejado de forma a garantir o brincar (livre ou direcionado) das crianças - e não apenas em Outubro! Afinal, brincar também é coisa séria: é através dos jogos, das brincadeiras e da interação com o outro que a criança aprende e se desenvolve! É claro que existem muitas outras estratégias: quais as suas sugestões de prática? O que costuma realizar na escola onde trabalha? Escreva aqui nos comentários! 👇 Um bom feriado a todas e todos e até a próxima!
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